domingo, 4 de agosto de 2013

Maranhão 66

O quase-falecimento do ex-presidente José Sarney me fez lembrar um dos meus filmes favoritos; o curta-metragem do diretor Glauber Rocha, Maranhão 66. O filme foi encomendado em 1966 pelo próprio José Sarney, na época um político novo do Maranhão que estava assumindo pela primeira vez a vaga de governador do estado.



Enquanto Sarney destila um discurso digno da sua futura condição de Imortal da ABL, a câmera de Glauber Rocha filma a realidade maranhense, que não mudou muito desde então, e o filme é carregado por uma ironia deliciosa, apesar de triste. Mas se em 1966 este curta já era excelente, o tempo transformou o filme em uma das melhores aulas sobre política, história e arte que se pode obter em 10 minutos.

Antes de Sarney, o Maranhão era governado por uma oligarquia liderada por Vitorino Freire, e a eleição do jovem político representava a esperança de mudança para o estado. Todas as palavras ditas pelo governador no discurso hoje soam altamente hipócritas, mas em 66 eram consideradas autênticas, provavelmente pelo próprio Sarney inclusive. São apenas 10 minutos, mas existem muitos pontos altos no filme. Aqui eu vou destacar apenas um.

"O Maranhão não quer a desonestidade no Governo e a corrupção nas repartições e nos despachos!". Anuncia Sarney seguido por muitos aplausos. Como sou um entusiasta da avaliação da política com o método da economia, acredito que políticos ofertam seus discursos de acordo com a demanda de seus eleitores. Isso quer dizer que o mesmo sentimento "fora corruptos" que hoje crucifica Sarney, foi um dos motivos que o levaram ao seu primeiro cargo de governador, quase 50 anos atrás.

Essa é uma das principais lições sobre política que esse curta oferece. No Brasil existe ainda uma cultura personalista da política; uma ideia de que se colocarmos as pessoas certas no poder as coisas irão dar certo. Foi esse sentimento que colocou Sarney no poder em 66, Collor em 90, Lula em 03, e provavelmente será o sentimento que irá eleger um sucessor do PT sabe-se lá quando. Certos políticos como Marina Silva, Marcelo Freixo, Fernando Gabeira - e antigamente Lula e os políticos do PT -  ganham muitos dos seus votos pela sua fama de "honestos". O que esse vídeo pode ensinar é que o personalismo não funciona na política. Como Lord Acton ensinou, não existe poder sem corrupção. E corrupção sem poder é inofensiva.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Qual a função do empreendedor? Uma pesquisa na literatura do pensamento econômico


Introdução


O ator central na história do desenvolvimento do sistema empresarial capitalista é o empresário. Para compreender bem como funcionam as firmas, como elas são criadas, como funcionam, como se desenvolvem e como vão a falência, é essencial compreender a função exercida pelo empresário na economia. Entretanto, um estudo dos modelos formais da firma na microeconomia tradicional não nos oferece muitos insights sobre esta questão. Não é difícil explicar o porquê da ausência do empreendedor nestes modelos.

Consideremos a natureza do modelo da firma. Nele, o agente precisa escolher entre valores alternativos dentre um número pequeno de variáveis bem definidas. Ao fazer isso, a firma busca maximizar a diferença entre a sua receita e seus custos, que podem ser definidos matematicamente por meio de funções conhecidas. Os modelos formais são em essência um instrumento de análise de otimização de problemas bem definidos, e são exatamente estes tipos de problemas que não requerem um empreendedor para a sua solução (Baumol, 1968). O agente que resolve este tipo de problema é o que Kirzner chamou de “maximizador Robbinsiano”, mais um "lightning calculator of pleasures and pains” vebleniano do que um empresário tomador de decisões.

Neste trabalho, o proposto é fazer uma rápida revisão da literatura econômica que versa sobre o papel do empreendedor em um sistema econômico, de forma a aprimorar a interpretação histórica do desenvolvimento das firmas.


1 – O empreendedor como quem assume os riscos associados a incerteza

A centralidade da função empresarial para o funcionamento de uma economia de mercado foi identificado inicialmente por Richard Cantillon. Pouco se sabe sobre a biografia de Cantillon, mas é conhecido que o autor fez uma fortuna através de especulação financeira ao conseguir se aproveitar da Mississippi Bubble criada por John Law, liquidando suas ações da Mississippi Company antes que a bolha estourasse (Hébert & Link, 2006). Tendo o próprio feito sua fortuna pela existência de informação imperfeita dos agentes, seria surpreendente se Cantillon ignorasse a incerteza e o risco ao escrever seu Essai sur la nature du commerce en général.

Para Cantillon, o empresário é o agente que recebe sua remuneração pela sua tarefa de enfrentar a incerteza difusa no mercado (Hayek, 1985). Os lucros empresariais são consequência de bons prognósticos das condições futuras de demanda. Dessa forma, Cantillon classifica dois tipos de classe: os “contratados”, ou seja trabalhadores, ou proprietários, que recebem uma remuneração fixa, i.e. Salários e aluguéis; e a classe “empresária”, que recebe uma remuneração variável, os lucros empresariais, que “vivem pela incerteza”. (Cantillon, 1959)

Um dos principais economistas a seguir este tipo de abordagem foi Frank Knight. Em Risk, Uncertainty and Profit, Knight define risco e incerteza de forma diferente – o risco é algo mensurável, isto é, é possível estimar uma probabilidade objetiva de que um dado evento ocorrerá. O risco, portanto, pode ser transferido do empresário para outras partes, através de contratos de seguros, por exemplo. Ou seja, o risco não é algo inerente a atividade empresarial, ao contrário da incerteza, que é caracterizada por sua imensurabilidade. Uma aposta no resultado de um lançamento de um dado honesto é um exemplo claro de risco; uma aposta nas futuras condições de demanda é um exemplo de incerteza.
Esta diferenciação se desdobra em uma interpretação um pouco mais refinada do que a de Cantillon em como a incerteza é a geradora dos lucros empresariais. Um risco não é um determinante de um lucro (ou perda) empresarial, já que ele pode ser eliminado através de contratos de seguro. A incerteza, entretanto, não pode ser eliminada da atividade empresarial, e é ela quem determina os lucros e perdas advindas deste tipo de atividade. Nesse sentido, Knight segue Cantillon ao dividir os tipos de rendimentos em dois:

The produce of society is similarly divided into two kinds of income, and two only, contractual income, which is essentially rent, as economic theory has described incomes, and residual income or profit.”(Knight, 1921)

Essa divisão na teoria da distribuição de Cantillon e Knight cria uma distinção inexistente na teoria clássica da distribuição, onde não existe uma diferença clara entre os ganhos dos capitalistas e dos empresários. Karl Marx reconhece a existência da mais-valia extraordinária, que seria análoga aos lucros empresariais advindos da inovação (que serão discutidos mais a frente); entretanto este tipo de mais-valia em essência é semelhante aos ganhos normais dos capitalistas. Na visão knightiana existe uma diferença fundamental entre os ganhos do capital e os ganhos relativos a boas previsões empresariais.

Knight vai além do campo da economia ao propor uma análise social pela relação do empreendedor e da incerteza. A sociedade, para Knight, pode ser classificada como uma “organização empresarial”, dado que todos precisam enfrentar a incerteza de alguma forma. A atividade empresarial na sociedade “knightiana” é portanto essencial. O empresário surge então como um agente especializado neste tipo de atividade, por um princípio smithiano de divisão do trabalho, de modo que os outros indivíduos possam viver em meio a menos incerteza (Hébert & Link, 2006)

Essa visão de que todo indivíduo atua de certa maneira como um empreendedor também é desenvolvida pelo economista austríaco Ludwig von Mises. Entender a ação empresarial como a ação frente a existência de incerteza para Mises acaba implicando que de certa forma toda ação é empreendedora. Como toda ação humana está necessariamente inserida no fluxo do tempo, e por isso é em essência especulativa, agir como um empreendedor, ou seja assumir riscos associados à incerteza, torna-se o mesmo que agir. Por este motivo, Mises escreve que o “lucro, no sentido mais amplo, é o ganho decorrente da ação” (Mises, 2010).

Apesar de toda ação ter em sua essência um lado empresarial, Mises argumenta que no âmbito econômico, “(...)empresário significa homem agente com relação às mudanças que ocorrem nos dados do mercado” e que “a função específica do empresário é determinar a maneira pela qual devem ser empregados os fatores de produção”. Por sua vez, “o lucro e a perda empresarial derivam, em última análise, da incerteza quanto à futura composição da oferta e da procura”(Ibid.).



2 – O empreendedor como um tomador de decisões e organizador da produção


A capacidade de lidar com a incerteza pode ser vista mais como uma função abstrata do empreendedor. No entanto, para uma boa análise histórica também é necessário compreender as características particulares do empresário real. Existe uma diferença importante nas capacidades necessárias para ser um “maximizador Robbinsiano” e um empresário real. A principal qualidade do primeiro é a habilidade em fazer cálculos – dadas as preferências e as restrições as quais o agente está submetido, o trabalho do maximizador é apenas fazer um cálculo para encontrar a solução ótima. Um empresário que, por definição, precisa enfrentar uma situação de incerteza não mensurável não sabe exatamente qual será o resultado de cada uma das alternativas expostas, e por isso não pode fazer um cálculo da utilidade ótima associada a sua escolha. Ele precisa tomar uma decisão. Uma decisão não existe se uma das alternativas é sem dúvidas melhor do que as outras, como no cálculo de maximização do lucro da firma, na teoria tradicional. A capacidade de tomar boas decisões é, portanto, uma qualidade essencial a um empresário propriamente dito.

O empreendedor como tomador de decisões possui um papel central na teoria macroeconômica de John Maynard Keynes. As decisões de investimento e produção são centrais para a estabilidade do sistema econômico. Com base no princípio da demanda efetiva, Keynes argumenta que as únicas váriaveis autônomas em uma economia capitalista são variáveis de gasto, e por isso a renda é sempre definida a posteriori a partir das decisões de consumo e de investimento. O comportamento dos empresários é um dos mais importantes determinantes da estabilidade macroeconômica de uma economia.

Ao mesmo tempo, as decisões de investimento tomadas pelo empresário keynesiano dependem da curva da eficiência marginal do capital, que por sua vez depende da renda esperada do ativo, um fator subjetivo que é derivado do “estado da expectativa a longo prazo” (Keynes, 1985). Ou seja, não existe um determinante objetivo de que os empresários tomarão as decisões corretas que permitam um crescimento estável da economia. Uma das causas para a instabilidade inerente do sistema capitalista é derivada do modo como os empresários fazem suas decisões. Nas palavras de Keynes:

(...)a instabilidade econômica encontra outra causa, inerente à natureza humana, no fato de que grande parte das nossas atividades positivas depende mais do otimismo espontâneo do que de uma expectativa matemática(...). Provavelmente a maior parte das nossas decisões de fazer algo positivo, cujo efeito final necessita de certo prazo para se produzir, deva ser considerada como manifestação do nosso entusiasmo (can only be taken as a result of animal spirits) – como um instinto espontâneo de agir, em vez de não fazer nada -, e não como resultado de uma média ponderada de lucros quantitativos multiplicados pelas probabilidades quantitativas.” (Ibid.)

Alfred Marshall, professor de Keynes em Cambridge, caracterizou as características que consistiriam na genialidade de um empresário como a manutenção de um estado de alerta (alertness), habilidade de coordenar, inovar e vontade de enfrentar riscos. Estas habilidades não seriam possíveis de aprender via uma educação formal, mas sim habilidades adquiridas pela experiência (Hébert & Link, 2006) – o que lembra o conceito de “conhecimento tácito” desenvolvido posteriormente por Michael Polanyi.

Marshall via uma categoria adicional aos três fatores de produção da economia clássica (trabalho, capital e terra), a organização necessária para coordenar todos estes três fatores, que seria exercida pelo empresário. Dentro das firmas, a organização se consolida na hieraquia empresarial e na divisão do trabalho no interior da empresa (Kerstenetzky, 2004). O empresário marshalliano aparece como um administrador de negócios ou líder industrial.

Um importante autor a unir as ideias do empreendedor como um tomador de decisões e como um agente que precisa enfrentar a incerteza do mercado foi o economista G.L.S. Shackle. Para ele, as duas questões estão ligadas fortemente, porque a tomada de decisões involve improvisações e invenções, ações que só seriam possíveis em um mundo de desconhecimento e incerteza (Hébert & Link, 2006). Shackle foi um crítico do mainstream pelo o que ele via como uma negligência em relação a maior contribuição de Marshall para a economia, que teria sido colocar o tempo no centro do problema econômico. E o tempo se desenrolaria em um processo histórico determinado pelas decisões tomadas pelos agentes no presente. De certa forma, então, quem faz a história para Shackle são os empreendedores, que são os tomadores de decisões.



3 – O empresário e o conhecimento: inovação e descoberta (Schumpeter X Kirzner)

Até aqui ficou estabelecido que o empresário é um agente que toma decisões entre possíveis alternativas sobre a produção e cujos resultados não são previamente conhecidos devido a existência de incerteza (e não risco) no sistema econômico. Convém perguntar como estas alternativas se apresentam ao empresário, isto é, como o empresário adquire e usa o conhecimento. Em um modelo que traz a hipótese de informação perfeita, por exemplo, todas as informações estão disponíveis ao agente, ele apenas precisa escolher um dos caminhos alternativos. Esta hipótese pode ser útil para a construção de diversos modelos, mas é irrelevante para uma análise histórica das firmas e dos empresários. Mais relevante é entender como o empresário pode produzir informações não conhecidas previamente. Nesse sentido, é possível identificar duas maneiras diferentes do empresário fornecer novas informações: a inovação e a descoberta.

Para deixar mais claro os dois conceitos, é preciso notar que existe uma sutil diferença entre o que pode ser chamado de inovação e descoberta. A inovação é caracterizada pela construção de uma nova alternativa que não estava disponível anteriormente. A descoberta é a percepção da existência de um caminho que já existia, mas que ainda não havia sido explorado. Para ilustrar essas duas possibilidades empresariais, analisemos de forma breve o trabalho de dois autores: Joseph Schumpeter e Israel Kirzner.

A teoria Schumpeteriana sobre o empreendedor e sua atuação na transformação do sistema capitalista foi bastante influenciada por Marx, Weber, e pelos austríacos (Menger, Wieser, Bohm-Bawerk) (Ibid.). Schumpeter parte de uma análise de um sistema que se auto-reproduz, em um fluxo circular. Neste sistema não ocorrem mudanças, e todos os produtos produzidos são consumidos no próximo período, e assim sucessivamente.

Entretanto, o problema central da economia não é entender “como o capitalismo administra a estrutura existente, ao passo que o problema crucial é saber como ele as cria e destrói” (Schumpeter, 1961). O agente que impulsiona a “creative destruction” capitalista é o empresário ao introduzir inovações capazes de evoluir as instituições prévias do mercado.

As inovações realizadas pela atividade empreendedora podem ser vistos como a criação de um novo produto ou aumento na qualidade de um produto, a criação de um novo método de produção, a abertura de um novo mercado, a captura de uma nova fonte de recursos e uma nova organização industrial, por exemplo a criação ou a destruição de um monopólio (Hébert & Link, 2006). Com o tempo a mudança gerada se dispersa pelo sistema e existe uma tendência a uma volta ao “fluxo circular”. Para Schumpeter, entretanto, o empresário mais importante é aquele que quebra os paradigmas e desequilibra o sistema econômico, e não o contrário. O desenvolvimento econômico ocorre através destas inovações introduzidas pelos empresários schumpeterianos.

Algo importante a se compreender da teoria schumpeteriana de inovação é sobre a diferença entre esta e o conceito de invenção. Para Schumpeter, uma inovação não necessariamente representa um aumento no conhecimento científico da sociedade, assim como um aumento no conhecimento científico não representa necessariamente uma inovação. Uma inovação representa uma nova solução bem sucedida para um problema, ao colocar em prática um método ainda não tentado antes. Desta maneira, o processo de inovar não é um processo intelectual, no sentido científico, mas sim um processo de liderança e tomada de decisões.

Analisemos agora a ideia do empreendedor como um agente de descoberta, através do trabalho de Israel Kirzner:

A teoria de Kirzner foi bastante influenciada por dois autores – por um lado a visão do mercado como um processo empresarial de Ludwig von Mises, e por outro a ideia da competição como um processo de descoberta de Friedrich Hayek. O ponto de partida da análise Kirzneriana é oposta a de Schumpeter. Enquanto este parte de uma economia de fluxo circular para depois introduzir o empresário como fator desequilibrador, Kirzner parte do suposto de que não existe necessariamente uma economia equilibrada como base. Uma das perguntas que Kirzner deseja responder ao analisar o papel do empresário é exatamente como podem existir algum padrão numa economia onde teoricamente cada agente pode fazer o que quiser. O empresário kirzneriano atua em um papel oposto ao empresário schumpeteriano; enquanto este é um promotor de desequilíbrio em uma economia estável, o primeiro é um promotor de equilíbrio em um ambiente instável (Vaughn, 1994).

O empresário também existe como consequência da informação imperfeita nos mercados, entretanto Kirzner não está preocupado em explicar o empresário como um agente frente a incerteza, mas sim como um agente que obtém seus ganhos pela arbitragem. Existem oportunidades de lucro disponíveis, porém não percebidas, o tempo inteiro na economia, pelo próprio fato desta economia não estar operando em equilíbrio, e o empreendedor atua “descobrindo” essas oportunidades. O lucro empresarial é um lucro de arbitragem (Kirzner, 2012).

As teorias de Schumpeter e de Kirzner de forma nenhuma são incompatíveis. É possível encontrar elementos “schumpeterianos” no trabalho de Kirzner, e também elementos “kirznerianos” em Schumpeter. As ideias de inovação e descoberta são parecidas, e o que as difere é basicamente a visão inicial do funcionamento do mercado de cada um dos autores.



Conclusão

As visões apresentadas rapidamente neste trabalho não são mutuamente excludentes. É possível enxergar elementos da teoria de cada um dos autores em diferentes momentos históricos e presentes em casos empresariais distintos. Conhecer um arcabouço teórico plural sobre um tema apenas enriquece a interpretação histórica sobre este tema, e é por este motivo que este trabalho (e um estudo da história do pensamento econômico em geral) se justifica.

Bibliografia

BAUMOL,W. Entrepreneurship in Economic Theory. The American Economic Review, vol.58,n2, 1968.

CANTILLON, R. Essai sur la Nature du Commerce em General, edited with an English translation and other material by Henry Higgs, C.B. Reissued for The Royal Economic Society by Frank Cass and Co., LTD, London, 1959

HAYEK, F.A. Richard Cantillon” Traduzido por: Micheál Ó Súilleabháin, Journal of Libertarian Studies, vol. VII, No. 2, 1985.

HÉBERT, R & LINK, A. Historical Perspectives on the Entrepreneur. Foundations and Trends in Entrepreneurship, vol.2, nº4, 2006

KERSTENETZKY,J. Organização Empresarial em Alfred Marshall. Estudos Econômicos, São Paulo, v.34, n.2, 2004.

KEYNES,J.M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Abril Cultural,2ed, São Paulo, 1985.

KIRZNER, I. Competição e atividade empresarial. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012.

___________, Entrepreneurial Discovery and the Competitive Market Process: An Austrian Approach. Journal of Economic Literature, vol.35, n.1, 1997.

KNIGHT, F. Risk, Uncertainty, and Profit. Boston MA: Hart, Schaffner and Marx; Houghton Mifflin, 1921.

MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

SCHUMPETER, J. Capitalismo, Socialismo e Liberdade. Rio de Janeiro, Editora Fundo de Cultura, 1961.

VAUGHN, K. Austrian Economics in America: the migration of a tradition. Cambridge University Press, 1994.

VEBLEN, T. Economics and Evolution, The Place of Science in Modern Civilization, Nova Iorque, 1919.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Sobre internação compulsória, e o uso do crack e de outras drogas


If someone does something we disapprove of, we regard him as bad if we believe we can deter him from persisting in his conduct, but we regard him as mad if we believe we cannot. In either case, the crucial issue is our control of the other: the more we lose control over him, and the more he assumes control over himself, the more, in case of conflict, we are likely to consider him mad rather than just bad”

“The Nazis spoke of having a "Jewish problem." We now speak of having a drug-abuse problem. Actually, "Jewish problem" was the name the Germans gave to their persecution of the Jews; "drug-abuse problem" is the name we give to the persecution of people who use certain drugs.”
Thomas Szasz

Uma das discussões que ocorreram no início deste ano foi sobre a decisão do governo em alguns lugares de tomar medidas mais duras em relação a moradores de rua, especialmente em relação aos usuários de crack, através de um “acolhimento” compulsório. Resolvi escrever alguma coisa sobre este tema porque, lendo todo o debate que se criou, eu acabei discordando dos dois lados, tanto dos defensores quanto os que são contra a internação compulsória (curiosamente discordar de todos os lados de um debate público tem sido uma rotina para mim). Aqui vou apresentar rapidamente o que eu considero que deveria ser uma posição condizente com uma visão liberal do problema.

A discussão é dividida entre aqueles que acreditam que o Estado precisa tomar atitudes mais radicais em relação a um problema radical que é a dependência do crack, e o que justificaria a atitude coercitiva da internação é que seria melhor para os dependentes no longo prazo. O outro lado defende que a internação compulsória na verdade é uma atitude estatal equivocada, e que o problema das drogas é um problema social que merece outros tipos de políticas públicas, como inclusão social, etc.

No primeiro ponto, eu concordo com o segundo grupo: a internação compulsória é de fato uma atitude equivocada. Equivocada por dois motivos: (1) os resultados da política não irão satisfazer as intenções da política, ou seja, internar a força dependentes de crack não implica em uma redução do uso da droga. Isto pode ser constatado historicamente de forma exaustiva, haja visto todas as tentativas fracassadas de repressão às drogas. E (2) em uma sociedade realmente livre, ninguém deve ser privado de sua liberdade, a não ser que tenha privado outra pessoa de sua liberdade anteriormente (e tenha passado por um julgamento com acusação e defesa); o que é uma das crenças liberais mais importantes.

Sobre a formação das cracolândias, é possível encontrar libertários com a velha resposta pronta de que “se as ruas fossem privadas, etc”. Mas essa é uma não-solução para o problema – as ruas não são privadas e nem serão em um futuro próximo. Além disso, mesmo que elas fossem privadas, ainda seriam espaços públicos, ou não seriam ruas no sentido em questão. Respostas simples deste tipo não só não apresentam uma solução libertária razoável, como acabam por fazer outras pessoas pararem de escutar as soluções libertárias. Ainda assim, mesmo a resposta pronta da privatização como forma de solucionar qualquer problema comum não é válida aqui, afinal mesmo dentro de uma propriedade privada ninguém tem o direito de internar alguém a força. Esta é uma questão de soberania individual e não de direitos de propriedade.






Entretanto, o crack, e todas as outras drogas, não são um problema de “saúde pública”, como muitos dos que são contra a internação compulsória afirmam. O uso de drogas não é uma doença (que deveria ser combatida com outras drogas legais), mas sim um hábito social. A “dependência” como um problema de saúde não é algo objetivamente dado, mas como se define e como socialmente se aceita a utilização de uma dada substância. Mesmo os danos causados são questões subjetivas, que dependem de quanto é consumido. Na quantidade certa, qualquer substância causa danos irreversíveis, e é somente da responsabilidade do indivíduo sobre o quê e quanto consumir. E não existe nenhum critério objetivo capaz de elencar quais substâncias devem e quais não devem ser usadas.

Para alguns, a questão posta é “queremos viver em uma sociedade onde indivíduos utilizem drogas que são capazes de transformar alguém, como faz o crack?”. Esta é uma pergunta pertinente, mas que de forma alguma pode ser respondida centralmente, apenas individualmente. Cada pessoa tem uma própria visão sobre como todas as pessoas deveriam se portar, e se tal opinião for uma unanimadade, não haveria nenhum problema a ser posto inicialmente. Responder de forma central (ou seja, sugerindo algo como “o que a sociedade quer”) qualquer questão sobre como uma sociedade ideal deveria se comportar gera uma outra pergunta: “queremos viver em uma sociedade onde alguns indivíduos possuam algum controle sobre o comportamento de outros?”.

O problema de ambos os lados do debate é enxergar o Estado como a solução para a questão do crack – a discussão é somente sobre como o Estado deve abordar o problema, duro como um pai ou compreensivo como uma mãe. A questão que não é discutida é como o crack (ou qualquer outra droga) não é algo ruim em si, mas um problema criado exatamente pelo Estado na sua perseguição ao uso de certos tipos de substância. O consumo de substâncias que causam danos ou dependência são questões individuais, e não sociais. O único problema social é exatamente a caça às bruxas que é feita atrás de pessoas que consomem, produzem ou comercializam determinadas substâncias. Só existe uma conduta possível para o governo solucionar a questão das drogas, que é parar de tratá-las como um problema em si.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Porque políticos ruins se reelegem?






Porque determinados políticos, reconhecidamente maus gestores e/ou corruptos, continuam a se reeleger continuamente e ter relevância política no Brasil? Alguns casos são bastante emblemáticos neste sentido, por exemplo Paulo Maluf e Anthony Garotinho, que mesmo sendo reconhecidos pelo público como símbolos da corrupção na política estiveram entre os candidatos mais votados a deputado em São Paulo e no Rio de Janeiro. O mesmo acontece no resto do Brasil, com figuras como Sarney e Collor, e ainda em menor escala, com políticos menos conhecidos, mas entretanto que continuam a se reeleger a despeito de fazerem um trabalho publicamente considerado ruim. Porque, ao mesmo tempo em que o Congresso e o Senado têm uma credibilidade baixa com o público, estes também têm uma taxa de renovação sempre baixa a cada eleição? Tais perguntas não possuem respostas simples. Colocarei aqui um ponto de vista particular, uma visão bastante “economista” do caso, que acredito ser capaz de melhorar um pouco o entendimento deste fenômeno contraditório.

Um dos conceitos favoritos de economistas da public choice é a ideia de "ignorância racional". Isto se refere a uma situação onde um agente decide racionalmente ser ignorante sobre um assunto, porque os custos de aprendizado superam os benefícios do conhecimento. Por exemplo, apesar de eu querer aprender árabe, os custos de passar alguns anos estudando esta língua não são suficientes para justificar um desejo com pouca aplicação (portanto eu sou racionalmente ignorante em árabe). Este conceito pode ser aplicado ao comportamento de eleitores: ao mesmo tempo em que o voto individual de um eleitor tem probabilidade próxima de zero de alterar o resultado das eleições, existem custos associados a pesquisar candidatos, assistir horário eleitoral, decidir sobre quais propostas são melhores para a sociedade, e finalmente decidir quais são os melhores candidatos. Existe, portanto, uma tendência de eleitores a serem racionalmente ignorantes em política.

Ao mesmo tempo em que existem poucos incentivos a uma escolha cuidadosa dos candidatos, no Brasil existe um incentivo a votar em alguém, que é a obrigatoriedade do voto. Existem três opções para um eleitor "racionalmente ignorante" em política: (1) abster-se de votar; (2) votar em branco, nulo; e (3) votar em qualquer um. As três opções possuem custos associados praticamente idênticos, que é o custo de se deslocar até uma seção eleitoral e justificar/anular o voto/votar em qualquer um. A escolha (3) pode parecer a mais persuasiva para alguns agentes, pelo apelo a uma suposta "participação na vida política do país", apesar dos dados relativos a abstenções e votos não-válidos sugerirem que os agentes são indiferentes entre as três opções.

Tal convergência de incentivos pode explicar dois fenômenos comuns na política nacional: (1) a eleição de figuras públicas sem nenhuma preparação política, como Tiririca, Romário e a Mãe Loura do Funk; e (2) a reeleição de figuras políticas já conhecidas, mesmo com má reputação. Vamos nos concentrar no segundo caso, que é sobre o que se trata este post.
Rouba, mas faz
Uma primeira possível explicação é uma decorrência direta da "ignorância racional" que é característica em democracias representativas. O eleitor conhece um número limitado de candidatos e propostas, geralmente os políticos mais conhecidos por realizarem determinadas obras, e não tem incentivo para buscar outro tipo de informação. Se o eleitor parte do pressuposto que os defeitos de um determinado político não são particulares, mas sim característica geral da categoria, realizações ligadas a uma figura são suficientes para que o eleitor decida o seu voto. Ou seja, ao mesmo tempo em que os defeitos de um político não são suficientes para uma "diferenciação do produto", estar ligado a uma grande obra pode ser um bom atalho para uma vitória política. Um exemplo clássico é o discurso do deputado Paulo Maluf, ou o discurso que reelegeu Cesar Maia algumas vezes.

Ele é ladrão, mas os outros também são. Pelo menos esse a gente conhece

Outra explicação está relacionada a aversão ao risco e a incerteza que a mudança política traz. Pode ser possível argumentar que a configuração do sistema político brasileiro ajuda a aumentar esta incerteza. A falta de um programa claro vindo dos múltiplos partidos aumenta a dificuldade em prever o governo de novos políticos. Enquanto, por exemplo, nos Estados Unidos é possível fazer uma previsão com boa precisão sobre as diferenças de políticas entre um governo Republicano e Democrata (mesmo que tais diferenças não sejam lá muito grandes), não existe nenhuma característica institucional que possa prever, digamos, um governo do PSB. Outra possível interpretação é que a homogeneidade entre políticos e partidos gera uma indiferença na escolha dos candidatos que torna a incerteza do novo, mesmo que não seja grande, suficiente para atuar como diferenciador.

Asfaltou a minha rua, voto nele pra sempre, independente de qualquer  fato novo que venha a ocorrer

Finalmente, uma terceira explicação está relacionada a dois outros conceitos também relativos a public choice, que é a relação entre votos decididos com base em privilégios privados, seja no âmbito individual ou de classe, com a idéia de "irracionalidade racional". Assim como um agente pode ser racionalmente ignorante, também é possível que a tomada de decisões "irracionais" possa ser uma decisão racional em determinada circunstâncias. Esta é uma ideia um pouco mais difícil de ser expressa em poucas linhas, mas basicamente se os custos associados a uma escolha ruim são baixos ou difusos, ao mesmo tempo em que os custos associados a tomar uma decisão racional (buscar todas as informações necessárias e perder tempo pensando em uma solução sensata) são altos, pode ser "racional" tomar uma decisão "irracional".

Como os custos de ter um político ruim são essencialmente custos difusos para toda a população, a "irracionalidade racional" pode ser aplicável, o que é uma boa explicação para porque tantos eleitores tomam decisões claramente ruins repetitivamente (de fato, é uma explicação muito mais persuasiva do que "o povo é burro"). Geralmente esse tipo de escolha ruim vem associada a um tipo de clientelismo: ao dar algum privilégio ou benefício a um determinado eleitor, o político ganha o voto dele por diversas eleições, mesmo que o fluxo de benefícios não seja contínuo. O eleitor economiza tempo e "utilidade" ao manter o mesmo voto por várias eleições, e mesmo que sua escolha seja ruim, os custos associados a isto são muito dispersos.

A reeleição de políticos ruins é decorrente de falhas institucionais do sistema político. A pergunta que surge é se existem possíveis correções nos incentivos que possam reduzir este tipo de ocorrência, ou se o sistema está fadado a produzir este tipo de resultado. Independente de qual seja a resposta, ela só pode ser obtida com uma compreensão minuciosa dos arranjos institucionais e suas falhas presentes.




sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Da não naturalidade do capitalismo


Depois de ter falado sobre porque acho que defender o capitalismo com base na sua eficiência é um erro, vou escrever sobre um outro erro, um pouco menos comum, mas entretanto muito explorado pelos críticos. Este erro é defender o sistema capitalista como algo inerente à natureza humana. Do lado dos defensores, este tipo de erro muitas vezes está associado ao jusnaturalismo: muitas vezes existe uma confusão entre defender que a propriedade privada é um direito natural com que o sistema de mercado seja natural. A existência de propriedade privada não é suficiente - apesar de necessária - para que uma sociedade aproveite a liberdade e prosperidade trazidas por uma adesão ao que pode ser chamado de capitalismo, ou sistema de livre mercado. Apesar das ideias sobre o direito natural não me persuadirem muito, não acredito que seja incompatível defender tal ponto e ao mesmo tempo entender que o capitalismo não é algo da natureza do ser humano. Vou tentar argumentar rapidamente por que não acredito que o capitalismo seja algo "natural".

O jusnaturalismo não é o único motivo pelo qual tal argumento é utilizado. Podemos lembrar, por exemplo, do argumento de Adam Smith de que o homem possuiria uma tendência natural de realizar trocas, pela capacidade única de falar que o ser humano possui. Primeiro, o ato de troca também não é algo suficiente para a existência do que pode ser chamado de capitalismo. Tanto troca quanto propriedade privada são coisas que existiram praticamente em toda a história da humanidade. O mesmo não é verdade sobre o capitalismo.

Historicamente, o que pode ser observado é que algo ocorreu com a humanidade a partir de meados do século XVIII, algo espetacular que tirou o mundo de uma eternidade de miséria para um crescimento estrondoso.

Algo não natural ocorreu no final do século XVIII. O capitalismo mostrou que nada é impossível de mudar.
Ao mesmo tempo em que a renda per capita disparou, a população mundial também explodiu

 O "capitalismo" foi uma quebra de paradigmas que ocorreu inicialmente no noroeste europeu e que se espalhou posteriormente por (quase) todo o mundo. O que fez com que este crescimento exponencial pudesse ser observado foi uma maré de inovações, criando um aumento de produtividade constante que continua a crescer até hoje (mesmo em períodos de crise). Tais inovações foram geradas por indivíduos que queriam mudar o presente em que viviam, alterar uma natureza de miséria. A natureza inovativa que é essencial ao capitalismo é, de certa forma, anti-natural.

Entender que o capitalismo não é algo natural também é importante para entendermos que não necessariamente estamos vivendo no melhor sistema possível. É possível mudar para melhor, e uma atitude progressista é desejável. Entretanto é necessário entender o que permitiu este crescimento para que o progresso seja tomado de fato na direção certa. O importante, portanto, é tentar entender qual foi a grande mudança que ocorreu no final do século XVIII e que permitiu tal mudança dramática de paradigma da condição natural humana que era a miséria absoluta, para que assim possa-se seguir mudando em direção a algo melhor. Esta mudança, pelo o que a minha leitura sugere, decorreu de uma alteração de ideologia - saindo da falta de mobilidade de classes, dividida entre uma aristocracia e uma classe servil, comum em todas sociedades antigas, em direção a uma mentalidade de busca da prosperidade através do mercado, um processo de "aburguesamento" da sociedade. Uma mudança do modo de ganhar a vida do guerreiro (ou do jogo de soma zero) para o modo de ganhar a vida do burguês (através de mútuos ganhos pela cooperação mercantil) foi o grande promotor desta mudança observada nos gráficos.

Este "aburguesamento" não foi completo, é claro, quando ainda hoje temos a burocracia estatal funcionando como uma pseudo-aristocracia, contra a cooperação mercantil. Existem sempre pessoas dispostas a trocar uma dura vida de dependência do mercado, onde existe uma necessidade de produzir coisas que outras pessoas valorizem, para uma vida mais tranquila de viver às custas do Estado, onde a opinião dos outros não importa tanto (especialmente quando sobram alguns farelos).  Talvez o que é realmente natural no ser humano é uma busca por viver às custas de outros; de fato, a história sugere que a natureza do homem é mais Hobbesiana do que Smithiana. Mas "nada deve parecer natural", certo?

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O apriorismo metodológico está no hardcore da escola austríaca?


Uma das teses metodológicas mais citadas como fundamentais e definidoras da escola austríaca, especialmente por economistas ligados ao Mises Institute, é a de que as proposições da economia são verdadeiras a priori do axioma básico da ação, e que tudo pode ser deduzido a partir desta proposição como verdades apodíticas. Este tipo de afirmação gera diversas críticas de economistas, principalmente dos ligados as correntes ortodoxas, de que a EA possui um viés anti-empírico e não falseável, tornando-se assim uma pseudociência.

Uma das melhores fontes para a compreensão desta posição é o artigo de Murray Rothbard, “In Defense of Extreme Apriorism”. Sem entrar na discussão sobre se este “apriorismo extremo” deve ou não ser aceito metodologicamente, esse post visa apenas analisar se realmente este tipo de método é algo que compõe o hardcore do programa de pesquisa identificado como escola austríaca. Analisemos autores importantes da escola austríaca:

Primeiro, Friedrich Hayek, que com certeza não é um adepto do apriorismo radical defendido principalmente por Rothbardianos. Hayek, pelo contrário, talvez estivesse mais próximo da metodologia da Karl Popper do que a da suposta metodologia austríaca definitiva. É possível argumentar que Hayek rompeu com qualquer simpatia com o apriorismo no seu artigo Economics and Knowledge, publicado na Economica em 1937. Neste artigo, Hayek escreve, por exemplo:

I have long felt that the concept of equilibrium itself and the methods which we employ in pure analysis have a clear meaning only when confined to the analysis of the action of a single person and that we are really passing into a different sphere and silently introducing a new element of altogether different character when we apply it to the explanation of the interactions of a number of different individuals.

Hayek deixa bem claro que o raciocínio puramente a priori, algo que ele chama de “Pure Logic of Choice”, não se aplica muito bem ao analisar ações de diversos indivíduos cujas ações tornam-se interdependentes em uma sociedade complexa. Hayek questiona até onde realmente um raciocínio puramente abstrato pode ser utilizado para interpretar uma realidade complexa, e isto o distancia muito do apriorismo extremo. É possível argumentar que Hayek era quase um Popperiano, com exceção de seu ceticismo quanto à viabilidade do falsificacionismo em ciências “complexas” como a economia, onde as previsões tem tão pouca força, dado o vasto leque de possibilidades que podem ser acarretadas de uma única ação. Hayek, portanto, não era um defensor do apriorismo radical. Se a adoção do apriorismo radical for uma condição necessária para um economista ser um “austríaco”, logo Hayek não era um, e isto é algo que alguns Rothbardianos certamente concordam. Mas analisemos outros dois economistas: Menger e Mises.

Carl Menger é conhecido como fundador da escola austríaca, e é impossível dizer que o próprio não é um “austríaco”. Menger talvez fosse mais adepto da teoria pura e a priori (o que ele chamava de “leis exatas”) do que Hayek, mas mesmo assim, é complicado afirmar que Menger fosse um adepto do apriorismo radical. Primeiro, é importante sempre lembrar a ligação que Menger possuía com a escola histórica alemã. Apesar de esta relação ser mais conhecida pela Methodenstreit, os Princípios de Economia Política foram dedicados a Willhem Roscher, um eminente professor da escola histórica. Menger não se via como um inimigo dos historicistas alemães, mas alguém trabalhando dentro desta própria tradição, melhorando-a ao adicionar algum marco analítico.

Por exemplo, uma das maiores contribuições Mengerianas a economia, e com certeza pela qual ele é mais lembrado, é a sua descrição do processo pelo qual surge a moeda. Apesar de ser um exercício de “armchair reasoning”, tal processo não é algo a priori verdadeiro. Não existe uma dedução que saia do axioma da ação para a existência de moeda. O surgimento da moeda em uma sociedade é muito mais um argumento evolucionista do que um argumento racionalista. O próprio Menger admitia que sua teoria do valor, ou da formação dos preços, teria sido desenvolvida com base na experiência empírica que Menger teria tido enquanto trabalhava como jornalista econômica. Algo muito empirista para um “austríaco”.

Ludwig von Mises, enfim, é o mais próximo de um adepto do “apriorismo extremo”. Mas mesmo Mises admite certos argumentos evolucionários na sua argumentação sobre a origem de categorias apriorísticas. Além disso, é importante notar duas coisas: 1) Mises era, antes de tudo, um Mengeriano. O que foi dito sobre Menger é aplicável também ao trabalho de Mises. Por exemplo, nos capítulos 14 e 15 de Ação Humana é possível identificar alguns argumentos não derivados logicamente do axioma da ação, que possuem um viés histórico muito importante, como por exemplo, a ideia do mercado como um processo. 2) A importância dada por Mises ao verstehen , ou understanding. Mises também foi muito influenciado pelo trabalho de Max Weber, cuja metodologia era bem diferente de um apriorismo radical.

O apriorismo metodológico, é, portanto, algo menos unânime dentro da escola austríaca do que as vezes parece. Por exemplo, um economista como Frank Knight, sempre um crítico da escola austríaca, está mais próximo da metodologia defendida por Rothbard no artigo citado no início deste texto do que Hayek, por exemplo.

A pergunta que surge então é, quais seriam as características mais importantes da escola austríaca? Aquelas que definem o programa de pesquisa da escola como algo único comparado a outros projetos. Esta é uma pergunta muito complicada, e que possui uma extensa bibliografia sobre, mas eu tenderia a escolher três características principais: Subjetivismo metodológico, reconhecimento da existência de incerteza genuína (algo compartilhado com o programa pós-keynesiano) e, o mais importante, a compreensão do mercado como um processo.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Milton Friedman: um agradecimento pessoal




To Janet and David [filhos de Milton Friedman] and their contemporaries who must carry the torch of liberty on its next lap  -   Dedicatória do livro Capitalismo e Liberdade


Nesta terça-feira, dia 31 de julho de 2012, são comemorados os 100 anos do nascimento do economista Milton Friedman. Friedman foi o vencedor do prêmio Nobel de economia de 1976, e um dos economistas mais importantes do século XX. Dado o nome deste blog, que evidencia a minha preferência pela escola austríaca e sua visão sobre o mercado como um processo e um espaço social, e a economia caracterizada pela sua heterogeneidade, e contra o equilíbrio geral e a macroeconomia, é plausível supor que eu não concorde muito com as idéias econômicas de Friedman, o que é quase verdade. Mesmo assim, Milton Friedman ainda é o meu economista favorito, aquele que eu utilizo como modelo do que eu gostaria de ser, e teve um papel muito importante na minha vida.

Conheci o trabalho de Friedman em 2009, quando ele infelizmente já havia nos deixado. Neste ano eu passava por um período complicado, quando ainda estava cursando engenharia, entretanto certo de que não queria ser um engenheiro. Apesar de estar certo que queria abandonar o curso, eu não conseguia enxergar nenhuma alternativa para o meu futuro. Buscando encontrar algo que eu realmente gostasse, freqüentei diversos cursos neste período, em áreas variadas. Um deles foi um debate sobre a crise que havia ocorrido há pouco, onde foi mencionada a explicação monetarista, que entre as explicações apresentadas no momento me pareceu a mais plausível.

Com isso, busquei algum livro de Milton Friedman para ler, e encontrei Capitalismo e Liberdade em um sebo. Este é o livro que mudou a minha vida, e que sempre que alguém me pede alguma indicação de leitura sobre economia eu o indico. Capitalismo e Liberdade é um livro capaz de lhe persuadir a cada página, e foi exatamente isto que aconteceu comigo. Antes de ler o livro, eu era apenas um leigo em economia, e na esquerda do espectro político. Após o livro, eu já era um liberal. Friedman conseguiu me persuadir de suas idéias não obstante toda a resistência que eu tinha a elas. Lembro-me como eu me revoltava toda vez que eu começava a ler um argumento, a favor do fim do salário mínimo, ou a favor do fim da educação pública, e tantos outros argumentos chocantes para um leigo de esquerda, e como mesmo assim logo ao fim do capítulo eu estava totalmente convencido de que Friedman estava certo.

Capitalismo e Liberdade não me transformou apenas em um liberal, mas também em um economista. Ali encontrei imediatamente o que eu queria ser. Depois de ler o livro, eu não tinha dúvidas de que eu deveria estar em um curso de economia, e desde que me transferi para o instituto de economia em nenhum momento esta dúvida surgiu. Se antes de ler Capitalismo e Liberdade nenhum curso da universidade me agradava, hoje eu pretendo continuar na universidade como pesquisador e professor, quem sabe até os 94 anos como Friedman.

A partir deste livro, busquei o Instituto Liberal no Rio, e foi lá onde encontrei as idéias de Mises e Hayek que acabei preferindo ao monetarismo de Friedman. Portanto, mesmo o fato de eu me considerar hoje um “economista austríaco” é graças a Milton Friedman. Assim que eu descobri Mises e Hayek, descartei completamente as idéias de Friedman, mas com a progressão dos meus estudos acabei percebendo que aqueles argumentos que eu lia anteriormente eram muito mais sofisticados do que eu poderia entender, e com certeza são ainda mais sofisticados do que eu posso compreender agora. Hoje já não descarto completamente as idéias de Milton Friedman, e diria até que prefiro suas teorias monetárias a de alguns austríacos, como Rothbard e autores que defendem 100% de reservas de ouro. Mas a lição mais importante que aprendi neste caso foi a da necessidade de manter sempre uma humildade quanto a grandes autores como Friedman, pois os argumentos são sempre mais sofisticados do que se possa imaginar.

A principal qualidade de Milton Friedman é sua capacidade de retórica, e é onde eu mais me espelho nele – costumo dizer que estaria realizado se algum dia obtivesse 10% de sua capacidade retórica. Ver ou ler Friedman argumentar é sempre fantástico, e é impressionante como ele é capaz de convencer pessoas. Ele jamais subestima o outro lado, não os trata como pessoas estúpidas, nem releva os argumentos contrários, repetindo sempre a mesma coisa. Ele se preocupa realmente em estabelecer uma conversa, um canal de troca de idéias, onde ele possa mudar a pessoa do outro lado, e onde ele possa mudar ao ouvir o outro lado também. Tampouco ele tem medo de enfrentar audiências hostis ao seu pensamento, algo que ele fez diversas vezes e pode ser visto em diversos vídeos na internet. E ele jamais perde o bom humor e a boa vontade ao responder todas as perguntas e críticas – por mais descabidas que elas sejam. E dado o profundo respeito que Friedman sempre dispensou aos seus adversários, poucas coisas me deixam mais irritado do que os constantes ad hominem descabidos contra Friedman, como os feitos por Naomi Klein mais recentemente.

Friedman é um modelo para mim, porque não só ele é um dos economistas mais inteligentes que já existiram, e um dos poucos que pode dizer que revolucionou a profissão, mas também é um dos intelectuais mais claros e concisos, além de um dos mais humildes e tolerantes. Mais que isso, Milton Friedman me deu uma identidade quando eu mais precisava, e toda a carreira que eu pretendo construir é devida a ele. Não existe nenhuma maneira de agradecer alguém por tudo isso, e um post em um blog definitivamente não é o suficiente. O que eu faço para retribuir é tentar ser um dos que carregam a tocha da liberdade na próxima volta. Desta maneira, sinto pelo menos que o livro que mudou a minha vida também foi dedicado para mim.