segunda-feira, 9 de julho de 2012

A equivocada retórica dos mercados eficientes








Um argumento popular entre libertários ao defender o livre mercado, especialmente entre economistas libertários, é o argumento da maior eficiência que o livre mercado gera na alocação dos recursos escassos. A burocracia do governo é altamente ineficiente, enquanto o mercado é dinâmico e racional. A ação governamental gera deadweight losses no mercado - algumas contas no quadro negro e isso pode ser até provado matematicamente, diria o economista. Em uma versão mais sofisticada, o governo não possui todas as informações necessárias para calcular a alocação ótima, pois para tal cálculo são necessários preços formados em um mercado livre de interferências. Tudo bem, tais afirmações não estão erradas. Entretanto eu quero argumentar aqui que o uso deste tipo de retórica para defender a liberalização dos mercados não é a mais adequada, por dois motivos (i) o mercado livre também não é TÃO eficiente assim, e (ii) a eficiência é apenas uma qualidade secundária do simples e óbvio sistema de liberdade natural.

Focar no argumento de que o mercado traz sempre um resultado ótimo não é a melhor ideia. Assim como qualquer estudante de economia é capaz de provar no quadro-negro que toda interferência governamental gera deadweight losses, qualquer um também é capaz de provar como a competição imperfeita gera resultados que não são ótimos. As únicas saídas possíveis neste caso são (i) tentar defender as irrealistas hipóteses de competição perfeita, (ii) aceitar que o mercado não é perfeitamente eficiente, ou que (iii) o ótimo walrasiano é completamente irrelevante para uma análise normativa da economia. Eu tendo a defender os últimos dois pontos.

Sim, o mercado não é perfeitamente eficiente, o que não é nenhum problema. Errare humanum est. O que diferencia a cooperação via mercado da cooperação política ou de outro gênero é que a primeira nos dá o feedback necessário para que possamos aprender com os erros. O argumento da eficiência ofusca uma das principais qualidades do mercado, que é a capacidade evolutiva. O mercado é uma boa forma de cooperação não porque os agentes tomam decisões maximizadoras ótimas, mas sim porque ele é uma instituição que nos entrega informações precisas com as quais podemos descobrir se acertamos ou erramos em nossas decisões.

Admitir que o mercado não é perfeitamente eficiente não é, portanto, um grande problema. Admitir isto não abre uma janela para o tipo de argumento de que é possível tentar melhorar a performance do mercado em busca de um ótimo walrasiano. Tentar buscar um ótimo walrasiano no mundo real é cometer a falácia (conforme notou o economista Fritz Machlup) da misplaced concretness. O ponto maximizador de utilidade é apenas uma abstração inatingível e inexistente.

Mas o ponto de equilíbrio ótimo não só é uma ficção inatingível, mas também é uma ficção indesejada. As hipóteses da competição perfeita são paralisantes: informação perfeita, produtos homogêneos, firmas irrelevantes, inexistência de lucros. No ponto de equilíbrio todas as trocas já foram realizadas, e portanto o mercado sequer é necessário (quer algo mais socialista do que isso? O caminho da revolução é a competição perfeita). O equilíbrio é um ponto estacionário, onde faltam as duas características mais importantes do sistema de livre mercado: o empreendedor e a inovação produzida por ele.

Economicamente, a grande vantagem do livre mercado não é sua capacidade de alocar recursos eficientemente. É sua capacidade de gerar inovações constantemente, quebrando paradigmas e gerando riqueza. O mundo moderno não foi gerado por alocações ótimas de recursos, mas por empreendedores e inventores que “deram os primeiros passos por novas estradas, armados com nada além de sua própria visão”, conforme Ayn Rand notou muito bem. A eficiência alocativa também é uma qualidade do livre mercado, ok, mas relativamente esta vantagem é muito menor do que a capacidade evolutiva única do mercado. Podemos pensar nisso como um exercício de vantagens comparativas (via Ricardo). O capitalismo é superior aos outros sistemas tanto por sua eficiência quanto pela sua capacidade de inovar; entretanto devemos nos especializar no argumento daquilo que possuímos maior vantagem comparativa, que é a inovação.

Então em termos puramente econômicos, já argumentei que a eficiência não é a principal qualidade do sistema de livre mercado. Mas se expandirmos ainda mais o escopo de nossa retórica, a eficiência se torna ainda mais irrelevante frente às outras qualidades do livre mercado. Seguindo Deirdre McCloskey, a prudência está longe de ser a principal virtude do capitalismo. Outras frentes muito menos exploradas, mas entretanto muito mais relevantes do que a simples eficiência são, por exemplo, a superioridade do capitalismo em prover igualdade, dignidade, e especialmente riqueza material aos menos favorecidos.

Defender o capitalismo por sua eficiência é defendê-lo usando uma de suas qualidades menos atrativas. Dentro do próprio escopo da economia é possível encontrar argumentos melhores do que a alocação ótima de recursos, e, se expandirmos o nosso escopo para as outras seis virtudes burguesas (temperança, justiça, coragem, esperança, amor e fé), é possível encontrar infinitos argumentos superiores ao argumento da eficiência. Paradoxalmente, o argumento da eficiência é ineficiente, pois não aloca de maneira ótima as melhores qualidades do capitalismo dentro da retórica.

3 comentários:

  1. Tenho que admitir, ótimo leitura e ótimo texto. Das melhores defesas do sistema de livre mercado que lí.

    Parabéns.

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  2. "o argumento da eficiência é ineficiente, pois não aloca de maneira ótima as melhores qualidades do capitalismo dentro da retórica."

    Claro e preciso. No ponto. Penso que o argumento da eficiência tem um valor muito pequeno, relativo apenas a esfera estritamente pragmática. Na minha visão, o discurso liberal deve ser mais filosoficamente radical, defendendo a superioridade moral do capitalismo sob valores mais nobres e abrangentes.

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  3. "Economicamente, a grande vantagem do livre mercado não é sua capacidade de alocar recursos eficientemente. É sua capacidade de gerar inovações constantemente, quebrando paradigmas e gerando riqueza."
    Muito bom.
    E acaba cooperando para uma melhor alocação, permitindo o afluxo para a inovação de maior valor agregado e de maior eficiência.
    Abraços,
    Ramiro

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